Resumo: Nem só de bizarrices vive a camada mais profunda da
rede. Entenda o conceito por trás da teia e saiba o que podemos
encontrar de bom nela
Navegar pela internet tinha um sentido único para mim até algumas
semanas atrás. Uma busca no Google, a fuçada no Facebook, o dia a dia no
Olhar Digital, uma passeada por outros sites... os
hábitos não diferem muito dos seus. Mas uma tal "deep web" desembarcou
na redação como sugestão de pauta e, desde então, o velejar de antes
virou uma prática submersa, um mergulho longe da rede convencional.
Resolvemos
fazer uma série para desvendar este mundo ao qual só se tem acesso com
navegadores específicos. Na matéria inaugural, publicada ontem (leia
aqui),
o repórter Leonardo Pereira explica o que é esta camada paralela, o que
acontece por lá e como chegar até ela. Coube a mim apurar a parte boa e
construtiva do conteúdo que circula ali, às vezes deixado de lado por
quem trata do tema.
Não é fácil e nem rápido achar conteúdos
interessantes ali (as páginas demoram para serem carregadas devido ao
longo caminho que percorrem até chegarem a sua máquina). Mas, com a
ajuda do Torch, um dos buscadores da oculta web, ou da Hidden Wiki,
diretório da web, basta digitar palavras de seu interesse para encontrar
conteúdos que vão além de bizarrices, como mutilações e pedofilia.
Claro que é preciso cuidado com as palavras e atenção para ler os links
listados nos resultados de buscas.
No
passeio pela DW encontrei uma biblioteca com livros raros, serviços de
mensagens instantâneas, cerca de 50 GB de livros sobre religião,
psicologia e outros assuntos curiosos, além de acervos de músicas e
filmes -
dos quais não sabemos a procedência. Há ainda
uma espécie de Yahoo! Respostas, onde pessoas anônimas perguntam e
respondem sobre os mais diversos temas, e o Tor Status, uma versão
privada do Twitter.
Existem
muitos fóruns com discussões que vão de política internacional a
técnicas de programação, porém, todos precisam de cadastro, que pode ser
feito por meio do Tor Mail. Este é um serviço criado e totalmente
mantido dentro da Onion (nome dado à rede), e possui encriptação
refinada e segurança máxima. Com este endereço de e-mail que os usuários
da DW se identificam em fóruns ou semelhantes. Assim como na web
tradicional, a inscrição é gratuita.
Privacidade
O especialista em segurança digital Jaime Orts Y Lugo afirma
que a teia surgiu de uma necessidade de se obter mais privacidade, já
que na web normal, tudo o que fazemos pode ser facilmente rastreado.
Muita gente acaba usando a DW simplesmente por não estar de acordo com
as regras impostas por gigantes como o Google.
Com a alta privacidade, a DW atraiu grupos famosos. O Wikileaks
e o Anonymous, por exemplo, refugiaram documentos sigilosos ali. E
alguns revolucionários, que participaram da Primavera Árabe, usaram a
rede paralela para facilitar a articulação dos rebeldes e complicar o
trabalho da inteligência policial. Jornalistas, militares e políticos
também se comunicam pela teia misteriosa e acobertam suas ações na rede -
o que a torna um local muito mais rico em informações do que se imagina
e é comentado.
Obviamente, o ambiente reservado também chamou
atenção de criminosos, que gostaram da ideia de não serem rastreados,
mas, assim como na web tradicional, na DW nos deparamos com coisas ruins
e boas. Basta ter discernimento e cautela para acessá-la.
"O
pessoal prefere apontar apenas as coisas ruins, como contrabandos,
drogas, pedofilia, armas, mas estes conteúdos existem para quem procura.
Eu entro lá e busco coisas diferentes", defende o especialista. "Não dá
para navegar como na surface [web tradicional], clicando em tudo e
baixando qualquer arquivo, é preciso cuidado. Mas, as pessoas não devem
deixar que o medo as privem de obter privacidade e ter acesso a coisas
novas", completa.
Outro especialista da área, Rafael Maia (nome fictício), conta que
aprendeu a programar na parte de baixo da rede. Ele afirma ter tido
contato com todo o tipo de técnicas. Coube a ele escolher o que faria
com aquelas informações nas mãos. Maia optou por ajudar empresas a se
protegerem de ataques e fraudes, que ele conheceu nas camadas mais
profundas da web.
A máxima da rede Onion, como é conhecida a
rede, é tão atrativa que até mesmo os menos simpatizantes já caíram na
graça do conceito. O especialista afirmou que não costuma acessar sites
disponíveis, mas usa o navegador Tor, especialmente desenvolvido para
velejar no lado profundo da web, em páginas tradicionais. Os browsers da
DW usam uma rede anônima de computadores que fazem pontes
criptografadas até o site desejado. Assim, nenhuma informação do
internauta é armazenada, como acontece com os navegadores tradicionais.
"Não
gosto da deep web, mas acho o conceito do Tor incrível. Decidi usá-lo
para acessar bancos e redes sociais, pois não quero que minhas ações
sejam vigiadas", conclui.
Há ainda aqueles que fazem da DW um
local para armazenar informações que não precisam gerar tráfego. O filho
de Lugo hospedou uma pesquisa sobre toxinas nos níveis profundos da web
enquanto não finaliza a apuração. Somente depois que o artigo estiver
pronto, será indexado na web tradicional, podendo ser encontrado nos
buscadores.
A deep web possui duas faces, a boa e a casca grossa. Saber se vale
a pena se aventurar por estas águas é uma decisão individual. Na
sequência desta série especial, você confere a próxima reportagem que
trará a parte alarmante da deep web. Não deixe de ler e opinar sobre o
assunto.
engetec.it
sábado, 27 de setembro de 2014